quarta-feira, outubro 30, 2019

Abismo


Quando você é depressiva, a primeira batalha do seu dia é contra sua mente, seus sentimentos, sua contínua e massacrante incapacidade de adequação ao cotidiano, essa dor que é viver. 

Nunca apta, nunca inteira. 

“Quando você olha para o abismo ele olha de volta” disse Nietzsche. O depressivo não enxerga nada além do seu abismo, ele é próprio abismo se devorando aos poucos, antropofagicamente.

Me lembro de um filme de minha infância em que o personagem principal lutava contra o avanço do “NADA”. Esse "NADA-conceito" personificava o vazio da ausência de motivação, esperança e luz. Era o mal em sua forma mais primitiva, não inerentemente mal, mas o mal pela ausência absoluta do bem e do belo.  

O ano era 1985, eu tinha então 7 anos,  e me tocou profundamente, talvez quase profetizando aquela que seria a minha luta por toda a vida adulta. Vencer o NADA, esse enorme deserto de tudo. 

Tive tanto medo daquele vazio, da quase morte de tristeza do herói solitário em um pântano de angústias, quando ele perde seu cavalo e se percebe sozinho pela primeira vez. Insolitamente, para uma menina de 7 anos,  aquele sentimento me pareceu tão meu...
Nós somos inimigos cruéis de nós mesmos, nos conhecemos bem demais, cada falha de caráter, cada ponto obscuro de nossa persona, cada meandro escondido de sentimento, temos munições demais, é uma luta injusta, silenciosa e absurdamente dolorosa porque nos fere em nossos pontos mais fracos, abre as feridas que julgamos cicatrizadas.

Me lembro da primeira vez que me senti completamente só, eu tinha então 9 anos e não soube lidar com o medo e a confusão que essa consciência me trouxe, eu não estava emocionalmente pronta - e em algum momento a gente está?

Segui sozinha o resto do caminho, mas diferente do herói resignado que busca forças para sair da lama de seu pântano de desespero
, eu olhei para o abismo e não consegui mais desviar meu olhar dele.

Eu queria escrever sobre meu transtorno de uma forma que não soasse clichê ou profunda demais. Escrever às vezes alivia e às vezes é como olhar num espelho rachado, você já não se reconhece com suas formas alteradas, seus pedaços lascados, seu rosto transfigurado pelas fissuras impressas.

Gostaria de terminar esse texto com todas as belas mensagens que aprendi em todos os livros de autoajuda que já li, ou alguma frase linda do Quotes sobre resiliência e coragem. Mas me perdoem, hoje sou só o abismo.